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quinta-feira, julho 27, 2006

do tempo - bis die ende das welt

o tempo é um pedaço de céu, de nuvens tecido.
mede-se, conta-se, soma-se, diminui-se.
estranha urdidura, teia matriz dos dias, das vidas, das memórias.
é no tempo que tudo acontece...
no tempo!!!
a tempo!
fora de tempo!
sem tempo!
pouco tempo!
tanto tempo!


perdi-me no tempo. quanto tempo tem o tempo??

domingo, julho 23, 2006

dor de azul vestida

O céu está azul!
Emoldurado por árvores de grande porte, altíssimas e folharudas. Em frente da janela, dois sobreiros enormes, mais que centenários, ordenam o espaço e aglutinam as pessoas.
Há dois sobreiros enormes na quinta!

Hoje estão todos vestidos de azul escuro. Não combinaram nada, mas vestiram-se todos de azul escuro. Estranhos códigos, fora das margens, mas dentro das linhas.

Amanhã, vestirão outra côr, porque a dôr não tem côr, mas bem pode ser azul escura.

Estas palavras estão codificadas. Dentro das margens, mas fora das linhas. Só as entenderá quem hoje se vestiu de azul escuro!


terça-feira, julho 18, 2006

neve a derreter


escorrem-me os dias pelos dedos da mão, como liquido baço cujo movimento não consigo impedir. uma espécie de gravidade, sim, gravidade existencial...
escorre-me o suor pelo corpo, pelo cabelo, já desisti de dizer que tenho calor. não consigo andar na rua, liquefaço-me!
derreto-me no calor, nos dias, nas burocracias, nos simplex e nos papéis.
coisas difíceis, chatas, aborrecidas, novelinhos e torvelinhos, cirandando, bailando uma dança sobre uma batuta que não é a que me apetece, mas é a disponível.
é tudo urgente, tudo já deveria estar feito.
eu própria já deveria estar feita e desfaço-me
agora entra-me uma brisa pela janela aberta.
só a noite me concede um bocadinho sólido, que agarro nas mãos, apalpo e aperto, para contrariar a gravidade. para que me não desapareça outra vez, assim tão depressa.
de manhã, o sólido transmutar-se-à outra vez em líquido, baço e pesado a escorrer-me pelas mãos. e não consigo pará-lo!!!
apetece-me uma paisagem de neve!!! ou uma cerveja estupidamente gelada.

quinta-feira, julho 06, 2006

A garrafa vazia de manuel, maria....


Pronto!!! Finalmente acabou o futebol. Aquela "coisa" estranha que aglutina as pessoas, que as leva a enfeitar o país de bandeiras nas janelas, prática certamente recuperada da religiosidade e da veneração dos santos que em palanques enfeitados de flores, atravessam em ombros ruas de aldeias e cidades deste território, desfilando por ruas onde as colchas se estendem nas janelas. Assim parece agora esta cidade. O palco de uma grande procissão.
Vai passar a procissão!!!!
Mas os santos não chegaram para o milagre. Era só mais um bocadinho e o país ficava suspenso na esperança por mais uns diinhas. Mas o santo não milagrou.

Sou muito distraída com futebóis. Quando há pouco tempo atrás comecei a ver bandeiras nas janelas, pensei que tinha andado distraída e que as ditas cujas lá estavam desde os gloriosos tempos do euro, algures em 2004.
Depois, fui olhando com mais atenção para as janelas desta cidade e comecei a perceber que as bandeirinhas não estavam desbotadas, nem rasgadas, ao invés, pareciam mesmo novas, cores fortes que o sol ainda não tinha engolido. Os pagodinhos chineses a fingir de castelinhos, que os chineses sabem lá o que é um castelo. De repente aí estava outra vez o país a viver do futebol.

Frustada a esperança depositada nos santos da procissão, amanhã vão todos mais tristes para o trabalho, de certeza! Hoje, andei na rua atenta aos rostos dos meus companheiros de cidade. Havia uma agitação estampada no rosto, um brilho incomum, ao final das tarde já muita gente andava fardada de verde e vermelho pelas ruas. Eram de certeza aqueles que tinham a bandeirinha na janela.

Cá em casa houve jantarada, para ver o jogo. A condição era a de abrir o champanhe, festejar as vitórias da vida e brindar aos amigos. Independentemente do resultado.Assim foi. A garrafa de champanha aguarda agora, vazia, no contentor amarelo dos reciclados da minha cozinha, o trnasporte para o vidrão. Aguarda vazia! Como vazios estarão amanhã os rostos das pessoas que hoje estavam cheios de esperança e de sorrisos.
Recuso-me a aceitar o futebol como único acontecimento capaz de mobilizar os portugueses. Amanhã vou para a rua com um sorriso de esperança, a imaginar que uma outra qualquer bola se poderá dar a esta gente para sair desta letargia estrutural e paralisante. Abra-se um debate nacional para perguntar aos portugueses o que é que, para além do futebol os faz ... acontecer!!!!
"João, Francisco, Maria, cada qual um nome tem, quando lhes dou os bons dias, ninguém responde a ningueêém"

segunda-feira, julho 03, 2006

a árvore dos bordados

 
No meu tempo de escola primária, nos intervalos entre a aprendizagem das contas e da junção das letras, fazíamos bordados em folhas de árvore. Se pegasse num papel e lápis, acho que ainda reproduziria fielmente alguns dos troncos dessa árvore. Era alta, com algum porte e era preciso trepá-la para colher as folhas que davam os melhores bordados. A folhagem era perene, por isso era preciso aproveitar bem o tempo das melhores folhas. A par das folhas, cresciam no emaranhado de troncos, uns pequeninos picos que protegiam as folhas de ataques animalescos. Mas a imaginação infantil era prodigiosa. Colhidos os ramos, distribuiam-se pelas "bordadeiras" .(foi assim que aprendi geometria e alguma destreza manual) Escolhia-se uma pedrinha, com pelo menos uma face lisinha, estendia-se nela a folha mais bonita e depois com o pico que a árvore também dava, faziam-se furinhos, alinhados de acordo com a imaginação e a mestria das mãos. Acredito que neste tempo as meninas como eu já deviam saber usar uma agulha e linha, fazer ponto pé de flor e ajures em panos de tabuleiro que depois nunca serviam para nada, mas o bordado nas folhas era quase o mundo ao alcançe das mãos.

Sempre que vejo uma árvore com folhas parecidas olho para ela a ver se lhe vislumbro os picos e com as cores que a imaginação permite invento bordados que nunca serão panos de tabuleiro.

Quando vim morar para esta casa, deparei-me com umas árvores enormes, esquálidas, magras e carecas em frente das janelas da sala. Mirei-as de alto a baixo e achei que estavam mortas. Não gostei! No dia seguinte, descobri na árvore da esquerda um pequeno broto já muito verdinho. Passam cabeludas de verde uns três quartos do ano e as folhas renovam-se e acomodam-se de forma diferente todos os dias. São as árvores da minha janela. A minha árvore dos bordados ainda existe e vou visitá-la de vez em quando, mas já não me sento no chão debaixo dela a bordar folhas em pedrinhas.

Mas continuo a bordar sonhos à janela ... Posted by Picasa