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domingo, dezembro 31, 2006

o balão verde

Saí de casa cedo, pisando com prazer as folhas que tresmalhavam debaixo dos pés. Estava um frio suportável, daqueles bons que não entram no corpo, só gelam o nariz. Fui à bica, tomei a bica e no regresso, de nariz no ar, o meu olhar cruzou-se com um balão que atravessava a estrada. Um balão verde, vulgar, em formato de balão, de cor verde, verde, sem mais adjectivos e de formato tipico de balão, com um fio pendurado...esvoaçando errante de um lado para o outro da rua. Entrou na árvore, ainda vestida com algumas folhas já muito amareladas, aquelas que ainda não tinham caído no chão para formar o tapete que há bocadinho tinha pisado. O balão verde entrou na árvore, por baixo. Fiz meu o pensamento da Matilde...se o balão sair da árvore por cima, o ano novo correrá bem.
" Se chegar primeiro à curva o Mameck voltará vivo da guerra"
O balão, libertou-se heróico da árvore, subiu por ela e saiu ileso, depois da batalha contra troncos e folhas quase secas, projectando-se de novo livre e solto pela rua. Tornou a atravessá-la e numa batalha serena conseguiu livrar-se dos vidros onde embateu e pelos quais se enredou, contornando o prédio da esquina. Foi às apalpadelas, entre vidro e parede e finalmente libertou-se projectando-se para o céu, com rota pré traçada.
Fiquei imóvel na rua, a seguir o balão com o olhar ... até ele se transformar num ponto pequenino, muito longe, no imenso do céu entre o azul e o cinzento. Fiquei imóvel na rua seguindo a rota até que o ponto pequenino desapareceu.
O Mameck voltará vivo da guerra!!!
2007 será um bom ano novo!

maria

segunda-feira, novembro 27, 2006

amar como a estrada começa


"Entre nós e as palavras há metal fundente

entre nós e as palavras há hélices que andam e podem dar-nos morte,

violar-nos,

tirar do mais fundo de nós o mais útil segredo entre nós e as palavras

.../...


Entre nós e as palavras, os emparedados e entre nós e as palavras, o nosso dever falar"


Mário Cesariny

terça-feira, outubro 17, 2006

quinta-feira, outubro 05, 2006

por terras do sultão

aproveitei o feriado da republica, para visitar outras republicas.
no avião, partilhei viagem com a Nilufer de carne e osso. O romance que levava para distrair a viagem tem por protagonista uma Nilufer dos tempos dos pashas. Não li o romance e ouvi as histórias verdadeiras de uma Nilufer de carne e osso, bonita e ocidentalizada, sem shador e sem ramadão, vinda de um congresso no Brasil e desejosa de chegar à sua Istambul. Aproveitei as dicas, bebi tudo o que durante 4 horas falámos sem parar numa língua que não era nem minha nem dela e que tinha aroma de café ... turco.
Já tinha meio pé lá dentro antes de lá chegar, mas bom mesmo é viver os sítios, cheirar, sentir ... ir fundo dentro da cidade. O Ramadão deu à viagem um cunho especial e foi mote para tertúlias várias e ambientes diversos.
Foi uma viagem mágica por terras de sultões.
Sem dificuldade, gravei em registo para memória futura os chamamentos para as orações, os cheiros das especiarias, o vaivém caótico de gentes e automóveis, as luzes de todas as cores, a dança de tabuleiros cheios de comida que passeiam pelas ruas quando o sol anuncia o cair da noite, o cheiro do café turco, o cheiro do hamam, mas sobretudo a sensação de um povo a delirar sobre a sua identidade. Nada do que é parece, nada do que parece, será!
Bizâncio, Constantinopla, Istambul ... uma memória com história.
Amanhã, sentirei saudades dos cantares do chamamento à oração e muita alegria por estar em casa. Num país onde a republica nasceu há quase 97 anos. Nem sempre de boa saúde, padecendo de maleitas várias, mas orgulhosa do seu laicismo conquistado e vivenciado. É também isso que falta aos turcos. Um novo e mais moderno Ataturk talvez fosse bem vindo e tornasse a Turquia numa Grande Porta, mas aberta!
E o Ramadão continua... por terras do sultão! Posted by Picasa

domingo, setembro 24, 2006

sombras e sobressaltos


colavam-se-lhe as letras à pele, as palavras aos olhos.
as teclas aos dedos, o rabo quieto na cadeira, que tinha rodas mas não andava.
e assim ficava, dias e dias a encher-se de letras e palavras.

um dia, de manhã bem cedo, foi encontrada na floresta, descalça e nua, passeando sobre um manto de flores cor de rosa que se tinham despencado das árvores.

depois, já muito tarde adormeceu, sentada na cadeira com rodinhas, depois de ter rodopiado o dia e amansado a noite.

mas isto foi há muito tempo ... tanto que já nem me lembro. só sei que o dia seguinte era um domingo.

quarta-feira, setembro 20, 2006

flores desenhadas

apetecem-me flores redondas, grávidas e gordas.
Bonitas, coloridas, entrelaçadas, abraçadas e confundidas.
Amanhã vai chover ! O Outono deve começar amanhã!

quinta-feira, setembro 07, 2006

a araucária


Era uma vez uma araucária! É assim que começam as histórias com final feliz. Esta não terá final feliz, de certeza!!!
A araucária, assim chamada porque ninguém a baptizou com apelido, vivia confortável e feliz num jardim de uma casa, onde viviam algumas pessoas. Era uma árvore de grande porte, tinha crescido depressa e bem, tinha uma casota para passarinhos que alguém lá tinha instalado e que a embelezava sobremaneira. Tinha ramos portentosos, muito verdinhos e era uma espécie de marca de um certo lugar. O jardim da araucária tinha uma casa semeada. A casa era grande, com muitas mais pequenas casinhas lá dentro. Nelas viviam habitantes fixos, habitantes móveis e muitos visitantes. De vez em quando estranhava algumas mudanças, umas pessoas que deixavam de aparecer, outras que começavam a visitá-la com regularidade. (Eu, aqui e agora narradora vestida de araucária, sou dos habitantes novos e não regulares, mas isso não me retira a qualidade de amante da araucária.)
Ela era uma espécie de grande pedra numa montanha, um menhir, um cromeleque, uma coisa sagrada que de tão grande e amada, ninguém lhe suspeitaria um fim próximo. Mal ela sabia do devir...
Mas pelas bandas do lugar da araucária, existiam também outras pessoas ... como naquela história do rei leão substituído por férias ... que limavam as unhas por mariquice! Pois! Assim foi! Leão de férias, ou melhor, habitantes regulares e irregulares do jardim da araucária que também tinha uma casa com outras casas lá dentro...em vez de limar as unhas, limaram a araucária.
Cortaram ramo a ramo, a araucária a chorar, a gemer e a pedir que a deixassem viver, mas os senhores que não são da casa ... impiedosos e perante o poder da araucária decidiram decepá-la, tirar-lhe membro a membro, ramo a ramo o seu porte altivo e garboso. Cortaram o cabelo ao Sansão, deixaram-lhe um "tufo à punk", ridículo a espreitar não sei para onde, deitaram para o lixo o seu adorno casa de passarinhos e vivem agora felizes imitando o leão substituto.
Consultei uma especialista, para fazer o diagnóstico de uma araucária em semelhante estanto e o veredicto foi departir o coração: a árvore vai morrer!!!
Dedico estas palavras mal alinhavadas aos amantes da araucária: Ao Zé, à Rosarinho e às meninas e aos anónimos contempladores de uma araucária que existiu.
Proponho que em vez de uma, se plantem 3, número bonito e de certeza mais difícil de destruir!
E porque as palavras doem, por aqui me quedo!!!

segunda-feira, setembro 04, 2006

Perdas

Pelo caminho vamos perdendo aqueles que fizeram parte da nossa caminhada. É o ciclo da vida, sabemos todos isso desde o principio. Cada vez que perdemos alguém, ficamos mais pobres. Fica a memória a jogar às cartas com a consciência, essa coisa coisa que pode fazer doer, ou não.
Pelo caminho, ficou-me hoje o Compadre António.
Construiu antes de eu nascer o cinema e a igreja da minha terra ... já lá vão muitos anos, nem sei quantos, que as monografias dos lugares as não guardo na memória.

Em jeito de homenagem sem jeito, por aqui fica a minha velinha acesa, para lhe guardar o sorriso e as boas memórias. Ainda bem que lhe tirei esta fotografia no último almoço que partilhámos.

Com ele andei de burro por terras de Paderne e ouvi estórias de lindas mouras que dormiam numa cisterna que tinha em sua casa. Guardo o fascínio da cisterna, os lençóis estendidos de alfarroba a secar, as amendoeiras carregadinhas de flor e depois de amêndoas que comia transformadas em deliciosos bolos. Guardo o cheiro do pão amassado pela Mãe Mina, e lembro-me de a ver atarefada com pás e paus a tirar do forno um pão que sabia pela vida e exalava odores que ainda hoje me despertam. Era de certeza o melhor pão do mundo como boas são as minhas memórias de férias pela serra algarvia. O lugar ainda existe lá p'ros lados da Cerca-Velha perto do Castelo da moura que morreu de saudades do seu Abencadam!
Até mais ... Posted by Picasa

sábado, setembro 02, 2006

coisas paradas

Andei por aí...por aí!
De norte a sul deste país que é o meu, mais ou menos alheia ao que nele se ia passando.
Não sei quantos hectares de floresta arderam este ano, quantos bombeiros morreram a apagar fogos, quantos cidadãos livres e com esperança de vida longa se finaram nos corredores de alcatrão deste país que é o meu. Não sei e não quero saber!
Andei por aí...comigo, com os meus e com mais uns outros que o não sendo, vão ficando a ser ...
Andei por aí, desde Trás os Montes atá ao sul de Odeceixe com uma longa paragem pelo meu Alentejo, aquele sitio onde as coisas paradas me olham e me reconhecem.
Agora, sabe-me bem o sossego da casa, o domingo que amanhã ainda será e segunda feira é só mais outro dia. E não me apetece escrever aqui nenhuma das coisas que escrevinhei nos entretantos e que fui achando que dariam um "granda post".
Foram as mais estranhas férias de que me lembro, mas voltei sem pernas partidas e sem bronze, que isso é só para alguns.
As férias deixam-nos sempre este cheiro entranhado e esta vontade que o não é bem de que tudo recomeçe outra vez! Uma espécie de pauzinho na engrenagem ... nesta engrenagem das coisas paradas.
"É preciso que tude mude, para que tudo fique na mesma" Lampedusa

domingo, agosto 27, 2006


Voltei a casa por um bocadinho, a desfazer-me entre o desfazer e o fazer de malas.

Tenho os bolsos cheios de histórias, guardadas em caixinhas para ir abrindo no outono e no inverno, que hão-de chegar.

São as colecções de férias, como fios enfeitados com flores de papel!

maria

terça-feira, agosto 01, 2006

J'irais comme un cheval fou!!!!






Finalmente, vou de férias!!!
Sinto-me quase a alegrar-me. Falta-me fazer a mala, regar as plantas, deixar o recado pr'a Perpétua e o esforço final de esquecer o que fica para trás.
Dia 7 estou de volta. Julgamento logo às 9.30h para começar bem a semana!E ainda falam em férias judiciais! Eu tenho sempre presentes em Agosto! Sempre!!
Já tenho a carregar as pilhas da máquina fotográfica e dou o dia por terminado.
Uma profissional liberal não deveria precisar tão desesperadamente de férias...mas preciso.
Tenho horas de sono em débito, hordas de livros para ler e milhões de horas para me alienar no silêncio. É isso que me apetece. Que me façam a cama, ponham a mesa e me deixam existir sem esforço nem pretexto. Quero mesmo não fazer nada a não ser nada fazer!
Ainda nem saboreei o Agosto de Lisboa, não consegui hoje sentir-lhe o cheiro...mas voltarei para o sentir.
Vou com o sabor na boca de um bolo de chocolate ... ali mesmo...o melhor bolo de chocolate do mundo!
Et j´irais comme un cheval fou!!!

quinta-feira, julho 27, 2006

do tempo - bis die ende das welt

o tempo é um pedaço de céu, de nuvens tecido.
mede-se, conta-se, soma-se, diminui-se.
estranha urdidura, teia matriz dos dias, das vidas, das memórias.
é no tempo que tudo acontece...
no tempo!!!
a tempo!
fora de tempo!
sem tempo!
pouco tempo!
tanto tempo!


perdi-me no tempo. quanto tempo tem o tempo??

domingo, julho 23, 2006

dor de azul vestida

O céu está azul!
Emoldurado por árvores de grande porte, altíssimas e folharudas. Em frente da janela, dois sobreiros enormes, mais que centenários, ordenam o espaço e aglutinam as pessoas.
Há dois sobreiros enormes na quinta!

Hoje estão todos vestidos de azul escuro. Não combinaram nada, mas vestiram-se todos de azul escuro. Estranhos códigos, fora das margens, mas dentro das linhas.

Amanhã, vestirão outra côr, porque a dôr não tem côr, mas bem pode ser azul escura.

Estas palavras estão codificadas. Dentro das margens, mas fora das linhas. Só as entenderá quem hoje se vestiu de azul escuro!


terça-feira, julho 18, 2006

neve a derreter


escorrem-me os dias pelos dedos da mão, como liquido baço cujo movimento não consigo impedir. uma espécie de gravidade, sim, gravidade existencial...
escorre-me o suor pelo corpo, pelo cabelo, já desisti de dizer que tenho calor. não consigo andar na rua, liquefaço-me!
derreto-me no calor, nos dias, nas burocracias, nos simplex e nos papéis.
coisas difíceis, chatas, aborrecidas, novelinhos e torvelinhos, cirandando, bailando uma dança sobre uma batuta que não é a que me apetece, mas é a disponível.
é tudo urgente, tudo já deveria estar feito.
eu própria já deveria estar feita e desfaço-me
agora entra-me uma brisa pela janela aberta.
só a noite me concede um bocadinho sólido, que agarro nas mãos, apalpo e aperto, para contrariar a gravidade. para que me não desapareça outra vez, assim tão depressa.
de manhã, o sólido transmutar-se-à outra vez em líquido, baço e pesado a escorrer-me pelas mãos. e não consigo pará-lo!!!
apetece-me uma paisagem de neve!!! ou uma cerveja estupidamente gelada.

quinta-feira, julho 06, 2006

A garrafa vazia de manuel, maria....


Pronto!!! Finalmente acabou o futebol. Aquela "coisa" estranha que aglutina as pessoas, que as leva a enfeitar o país de bandeiras nas janelas, prática certamente recuperada da religiosidade e da veneração dos santos que em palanques enfeitados de flores, atravessam em ombros ruas de aldeias e cidades deste território, desfilando por ruas onde as colchas se estendem nas janelas. Assim parece agora esta cidade. O palco de uma grande procissão.
Vai passar a procissão!!!!
Mas os santos não chegaram para o milagre. Era só mais um bocadinho e o país ficava suspenso na esperança por mais uns diinhas. Mas o santo não milagrou.

Sou muito distraída com futebóis. Quando há pouco tempo atrás comecei a ver bandeiras nas janelas, pensei que tinha andado distraída e que as ditas cujas lá estavam desde os gloriosos tempos do euro, algures em 2004.
Depois, fui olhando com mais atenção para as janelas desta cidade e comecei a perceber que as bandeirinhas não estavam desbotadas, nem rasgadas, ao invés, pareciam mesmo novas, cores fortes que o sol ainda não tinha engolido. Os pagodinhos chineses a fingir de castelinhos, que os chineses sabem lá o que é um castelo. De repente aí estava outra vez o país a viver do futebol.

Frustada a esperança depositada nos santos da procissão, amanhã vão todos mais tristes para o trabalho, de certeza! Hoje, andei na rua atenta aos rostos dos meus companheiros de cidade. Havia uma agitação estampada no rosto, um brilho incomum, ao final das tarde já muita gente andava fardada de verde e vermelho pelas ruas. Eram de certeza aqueles que tinham a bandeirinha na janela.

Cá em casa houve jantarada, para ver o jogo. A condição era a de abrir o champanhe, festejar as vitórias da vida e brindar aos amigos. Independentemente do resultado.Assim foi. A garrafa de champanha aguarda agora, vazia, no contentor amarelo dos reciclados da minha cozinha, o trnasporte para o vidrão. Aguarda vazia! Como vazios estarão amanhã os rostos das pessoas que hoje estavam cheios de esperança e de sorrisos.
Recuso-me a aceitar o futebol como único acontecimento capaz de mobilizar os portugueses. Amanhã vou para a rua com um sorriso de esperança, a imaginar que uma outra qualquer bola se poderá dar a esta gente para sair desta letargia estrutural e paralisante. Abra-se um debate nacional para perguntar aos portugueses o que é que, para além do futebol os faz ... acontecer!!!!
"João, Francisco, Maria, cada qual um nome tem, quando lhes dou os bons dias, ninguém responde a ningueêém"

segunda-feira, julho 03, 2006

a árvore dos bordados

 
No meu tempo de escola primária, nos intervalos entre a aprendizagem das contas e da junção das letras, fazíamos bordados em folhas de árvore. Se pegasse num papel e lápis, acho que ainda reproduziria fielmente alguns dos troncos dessa árvore. Era alta, com algum porte e era preciso trepá-la para colher as folhas que davam os melhores bordados. A folhagem era perene, por isso era preciso aproveitar bem o tempo das melhores folhas. A par das folhas, cresciam no emaranhado de troncos, uns pequeninos picos que protegiam as folhas de ataques animalescos. Mas a imaginação infantil era prodigiosa. Colhidos os ramos, distribuiam-se pelas "bordadeiras" .(foi assim que aprendi geometria e alguma destreza manual) Escolhia-se uma pedrinha, com pelo menos uma face lisinha, estendia-se nela a folha mais bonita e depois com o pico que a árvore também dava, faziam-se furinhos, alinhados de acordo com a imaginação e a mestria das mãos. Acredito que neste tempo as meninas como eu já deviam saber usar uma agulha e linha, fazer ponto pé de flor e ajures em panos de tabuleiro que depois nunca serviam para nada, mas o bordado nas folhas era quase o mundo ao alcançe das mãos.

Sempre que vejo uma árvore com folhas parecidas olho para ela a ver se lhe vislumbro os picos e com as cores que a imaginação permite invento bordados que nunca serão panos de tabuleiro.

Quando vim morar para esta casa, deparei-me com umas árvores enormes, esquálidas, magras e carecas em frente das janelas da sala. Mirei-as de alto a baixo e achei que estavam mortas. Não gostei! No dia seguinte, descobri na árvore da esquerda um pequeno broto já muito verdinho. Passam cabeludas de verde uns três quartos do ano e as folhas renovam-se e acomodam-se de forma diferente todos os dias. São as árvores da minha janela. A minha árvore dos bordados ainda existe e vou visitá-la de vez em quando, mas já não me sento no chão debaixo dela a bordar folhas em pedrinhas.

Mas continuo a bordar sonhos à janela ... Posted by Picasa

quinta-feira, junho 29, 2006

escrivão

há sitios onde anoitece assim. de mansinho, sem se dar por isso, a noite vai caindo e abraçando aqueles que permitem o abraço. depois vem uma brisa fresca, que refresca a alma e ajuda a ajeitar as ideias na cabeça.
são dias de privilégio, locais de memória ou apenas representações ...

às vezes, rasgamos o véu que vem das origens do mundo e quedamo-nos, ali, assim, de espanto imóveis ...às vezes

é a soberania dos ciclos. das horas, dos dias, das noites e das outras formas de contar a vida.

e o dia amanhece, em paz!

preciso de férias ... urgentemente, como dizia o Eugénio.
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quarta-feira, junho 28, 2006

pescador de pérolas

vou tirar os sapatos, entrar água adentro até encontrar as pérolas escondidas no fundo do mar. quando as tocar com os dedos, ameijoarei as mãos e trago-as mãos fora de água até terra seca, na beira do lago. A vida é uma arte desordeira para os apanhores de pérolas.
"Hoje eu tive um pesadelo e acordei ... com medo"

sexta-feira, junho 23, 2006

Aos amigos!!



Hoje apetece-me um bocadinho de lamechiche...
Esta casa transformou-se numa espécie de abrigo de amigos queridos. Telefonam a desoras, depois da cozinha arrumada, querem vir comer os restinhos do jantar, se os houver, ou um pedaçinho de pão, queijo e vinho, sempre garantido. Contam histórias, falam de si, umas vezes rimos, outras choramos, porque a vida é isso mesmo, um misto de amores, raivas, lutas e calmas que o tempo concede.
Gosto de ter transformado esta casa neste espaço onde os amigos aparecem sem convite, pressentindo eu que se sentem sempre convidados. E são-o, de facto! A partilha é uma alegria maior! A maior, porque a mais humilde e a mais compensadora. Maior que essa só a de ter um companheiro com quem construí esta casa abrigo de todos, quantos cá se queiram abrigar por um pedaço de sorriso e uma troca de palavras e afectos.
Obrigada aos amigos que vão aparecendo. A todos! Os especialmente convidados, os que aparecem sem convite e aqueles que sei que estarão sempre do outro lado. São os "amores secretos" que me chegaram hoje pelo correio em forma de livro.
Os amigos ... são quase a melhor coisa dos dias que correm. Aqueles que não desapareceram na poeira das nuvens e que o tempo conservou sem frascos de formol, com açucar e afecto.

domingo, junho 18, 2006

Pérolas aos poucos

Rumamos quase sempre a sul. Remamos quase sempre a favor da maré!
Ontem rumámos a norte, contra a corrente. Uma espécie de contra ciclo, de que só me apercebi depois.
Fomos apanhando pérolas pelo caminho...No panorâmico a ver um mondego deslumbrante que se espraiava ou riava perante olhos e almas a precisar daquele alinhamento que as casas com janelas todas viradas para'o rio proporcionava. Queria muito voltar àquele sitio, em boa companhia. Depois de lá ter estado há uns bons anos atrás, li um livro e imaginei que toda a história se situava por ali. É essa a vantagem da literatura, podemos sempre imaginar queía narrativa se passou onde nós quisermos. O Barthes e o Todorov têm escritos sobre a verosimilhança, mas eu ignorante dessas teorias achei verosimil aquele contexto para aquela história.
Depois rumámos ao Bussaco, ao colosso de uma serra, onde se paga para entrar. O dia acabrunhava-se a cada curva da estrada e o verde impunha-se, incontornável. O resto foram pérolas apanhadas e guardadinhas agora na memória dos viajantes. Sempre quis passar uma noite ali. Não percebemos muito bem onde estamos ... pode ser um qualquer canto do mundo e isso às vezes é quanto basta. Mas é tão inspirador tudo aquilo, que se tivesse pena fácil, escreveria um romance inventado por aquelas paisagens, tal a riqueza de tudo o que acontece, sem acontecer. Sim, porque não acontece mesmo nada. O acontecimento é estar lá.
Da sala de jantar, enfeitada com fantasias, acho que neo góticas da mais estranha estirpe e da mais invulgar beleza, dificil de situar nos canônes da arquitectura e da arte em geral, sentia-se o anoitecer, que aconteceu muito tarde. Estamos a chegar ao equinócio e isso sentia-se fortemente. Da janela, avistava-se e envolvia-nos uma mancha verde, que se ia esbatendo em escuro, até perder a cor e deixar muito devagarinho cair a noite que roubou o verde e o cinzento luminoso que restava de céu. Lá dentro, os candelabros acesos, as janelas que contavam histórias que o Ulisses também podia ter contado e os frescos das paredes concediam aos presentes atentos um prazer estranho, misto de espanto, bem estar e uma excitação frenética não compaginável com a desejável quietude do lugar. Aquilo não relaxa, ao invés, estimula os sentidos todos.
Por fim adormeci ... e acordei quando o dia acordou, com uma chilreada sinfónica quase atonal.
Era domingo ... impunha-se o rumo ao sul.
Já estou em casa, mas entre o Bussaco e Lisboa ainda tenho uma data de pérolas que deixo para me lembrar, escrevendo, amanhã...ou para outro dia qualquer.
maria

quinta-feira, junho 15, 2006

em volta das folhas

11/06/06

O tempo escorre a uma velocidade não mensurável por instrumentos medidores de tempo comuns. Lá fora o calor é insustentável. Aqui dentro neste meu cantinho de paz e calmaria, ouve-se Debussy baixinho e o quase silêncio é cortado pelas poucas vozes humanas que vão recortando este estar. Está-se bem! São 3h de uma tarde muito quente neste meu Alentejo. A passarada chilreia por perto, aninhada de certeza nos ramos das árvores do quintal. Consigo quase adivinhar os ramos onde se abrigam, pois conheço estas árvores deste meu quintal desde que de mim me lembro. Eram muito mais as que existiam na minha infância. Tantas mais...
Por esta altura do ano e com este calor, as frutas amadureciam e podia comer-se à disposição de um gesto de mão ou de uma subidela à àrvore, ameixas, pêssegos, peros, damascos, uvas e até nêsperas. Os figos vinham mais tarde. Passei horas naquela figueira. Não tinha uma casa na árvore, tinha vários lugares de estar em várias árvores ... todos secretos, só meus. Ao fundo do quintal, perto do poço e do tanque, impunha-se uma nespereira, de enormes e tronchudas folhas que eu inventava de barquinhos serem e que punha a navegar, regueira das regas afora, passeando o quintal e percorrendo os caminhos da água que ladeavam as várias leiras de legumes e afins que a minha avó plantava. Era um rio inventado, com estradas que abriam e fechavam, ao comando da mão ou da enxada que afastava a terra. Um sistema de rega que mapeava o quintal todinho. Isto acontecia sempre ao final da terra, quando do poço brotava água que enchia o tanque e no tanque se abriam umas portadas à liberdade da água. Depois, era fechar e abrir canais, como num labirinto de água feito ... com uma folha de nespereira e eu atrás dela, a darmos juntas a volta ao mundo.
Restam poucas árvores neste quintal, agora. Se um dia puder, volto a plantar nele uma nespereira para ensinar aos meus netos, se os tiver, a dar a volta ao mundo num barco/ folha de nespereira, como a minha avó me ensinou.

sexta-feira, junho 02, 2006

"Una giornata particolare"


Criei este blog com o firme propósito de me ir obrigando a escrever sobre as minhas coisas. É mais responsável a escrita que se faz num espaço publico, que neste caso também é privado, ou relativamente privado. Mas sobre o público e o privado já muitos notáveis escreveram e eu nem sempre respeito os canônes, ao que me acusam.
O objectivo agora, é ter umas conversas com o Junho que aí vem. Já faz muito calor!
Queria usar as palavras, o seu estado, não apenas no sentido retórico, mas aplicar estas reflexões/estórias/imagens/discursos, aos códigos da minha realidade. Como o real é sempre a representação que fazemos de qualquer coisa, continuo por aí a costurar sonhos. É no sonho que inventamos as verdades. Há mil estórias à solta, que vou agarrando, digerindo e fruindo como sei, posso e quero. Se não existisse o espaço de sonho, nada seria real.
E as palavras são isso mesmo. Velhas personagens com as quais povoamos a vida.
A Margarida hoje fez anos. Não fui ao jantar. Pelas não palavras nos desentendemos. Mas salvei a rainha a tempo... Fui dar-lhe um abraço apertado, tomei um café e bebi um saké..quentinho. Parabéns à Margarida, de quem muito gosto e ainda bem que ela sempre soube disso.

quinta-feira, maio 18, 2006



Frieda ferida


Ao contrário de todos os outros que por aqui vou deixando, este registo fotográfico não é meu ... nem podia ser. Quando a Frida morreu eu tinha quase nascido e pouco mais. Vem a propósito da pequenina mas digna exposição a sair do CCB este fim de semana.

"eu ando pelo mundo prestando atenção
em cores...
... cores de Frida Kahlo, cores"

E conservo por mais um dia a cor dos morangos...
E hoje trouxe para casa mais umas quantas novas...sei lá, devo ter trazido umas 256, novinhas em folha, como as do monitor em que escrevo agora a preto e branco.

18 de Maio de 2006

terça-feira, maio 16, 2006

domingo, maio 07, 2006

dias cheios


Há dias assim.
Cheios de cores, sabores, ideias, canções, letras e palavras alinhadas, sentidos, partilhas, encontros, amigos, viagens, aventuras.
Há dias assim ... como se vivesse num espaço inventado. Mas é tudo real.
Eu estive lá e o dia foi meu. Até os amores perfeitos da janela, murchos e enrugados depois de dois dias sem rega...renasceram.
Há dias assim. Como se fossem inventados. Mas é tudo real.

terça-feira, maio 02, 2006

lantana...de maio


como se fora uma janela aberta para o poema, que se escreve...com as quase cores do arco-iris

como se fora uma boca de cena ... o palco é já ali. Posted by Picasa

sábado, abril 29, 2006

palavras e fragmentos entre o céu e a terra

fragmentos...

como é que se alinham?
Existe uma rota? (palavra sem tradução noutra língua)
Povoam-se os espaços vazios com fragmentos? Ou com os fragmentos construímos espaços novos?
As palavras enchem o tempo. Sem elas o tempo fica vazio.

Como se fazem as palavras sem estado, entre o céu e terra??

Talvez seja no mar que tudo se alinhe....e aí, bolinando sempre com a terra à vista...se encontre a rota ...de sol, sal e marés feita.
Talvez.....

quarta-feira, abril 26, 2006

25 de Abril sempre!!!


Foi bonita a festa, pá!
FIQUEI CONTENTE. Vou guardar até ao próximo ano, para des... folhear/frutar/folhar/construir/ . ..com cheirinho a primavera o sabor, as cores, as palavras, as memórias partilhadas o pão e os cravos vermelhos que hoje os amigos me trouxeram.
Vou dormir com cheirinho de alecrim! De certeza!
E acordar num dia novo!
A ver o Sado de manhã bem cedinho. De cravo aberto à luz do dia que não tarda em chegar.

quinta-feira, abril 20, 2006

Para a Lígia

"Boa noitinha, mamã, gosto muito de ti"

Qual é a cor da alegria? Com que palavras se escreve a felicidade? Quantos cantos tem o amor? Quantas voltas tem a dor? Quantos gritos valem para o crescer? Quantas bactérias há no ar? Quantos micróbios me tocam por dia?

Sei lá, minha filha!

Quero ensinar-te tudo o que souber. Sempre acreditei que me irias ouvir ... e encantar...

Quero dizer-te dos caminhos que conheço, das pedras em que tropeçei, dos livros que me ensinaram a sonhar, dos Saraband que me faziam pensar, das revoluções em que me revolucionei ... dos caminhos que andei, para chegar aqui, contigo!

Todos os dias te conto um bocadinho de mim. E todos os dias me vais respondendo o que aprendeste.

Boa noitinha querida Ligia. Como gosto de ti!!!

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quarta-feira, abril 19, 2006

entardecer

foi assim na ilha do farol..do outro lado do farol que já rodopiava a sua luz mágica.
era assim em S. Torpes...onde a imaginação desenhava no dourado dos efeitos do sol a adormecer, com nuvens entrelaçadas, viagens para todos os sitios, possíveis e impossíveis.
quando as viagens imaginadas eram possíveis e todos os desenhos eram desenháveis.
S. Torpes assim foi há muito tempo ... e dele guardo não 7, "meu amor era de noite", mas infinitas saudades. Na memória, aquela que não quero apagar porque deitei fora a borracha há muito tempo.
Da cor deste entardecer, e com uma pequenina luz bruxuleante, deixei hoje uma luzinha aberta à memória dos que passaram.
o farol permanece do outro lado da ilha, e eu gosto de opostos.
maria, 19 de Abril de 2006, 500 anos depois. Posted by Picasa